Conto #12
A Tia Albertina vivia no prédio das janelas azuis, na Rua Marquês Ponte de Lima, em Lisboa. Por se encontrar no segundo andar, tinha uma vista soberana sobre Lisboa e o seu castelo e adorava observar, da janela do seu quarto, os turistas perdidos à procura da entrada para as ameias.
Vivia sozinha com as suas duas filhas. Nunca casara, mas mantinha uma relação com Jorge Miguel, um homem abastado que a repartia com a sua mulher.
Contra todas as expectativas, Albertina era feliz na sua vida pouco ortodoxa para a época que se vivia. Esta leveza talvez se devesse a um espírito avançado, pouco convencional – fervilhante pela mudança – e ao apoio da larga família, com quem passava os dias.
Inácio, o irmão mais velho, dono de complexo bigode, rotunda barriga e de uma tipografia, usava imprimir convites para os saraus organizados na sua casa. Eram impressos em papel amarelo-acastanhado e escritos em letra cursiva, discriminando, criteriosamente, os momentos das tertúlias que incluíam teatrinho, música e discussões sobre os temas quentes da época e eram frequentados por gente deveras elegante.
Albertina e as suas filhas brilhavam ao piano e adornavam-se de forma ainda mais especial para estes serões, com vestidos sofisticados, ditados pelas libertadoras modas francesas do início do século XX.
Os Moreira nutriam grande admiração por tudo quanto fosse francês e Inácio regressara, há pouco, da Exposição Universal de Paris. Durante essa viagem, diariamente, enviava postais com imagens modernas, relatando as suas aventuras pela capital gaulesa. Tinha trazido consigo duas bonecas com rostos de porcelana e vestidas com roupinhas da época desenhadas, especialmente, por um grande costureiro, para oferecer às duas sobrinhas favoritas.
As meninas adoravam o seu tio e brincavam todo o dia com a suas bonecas, levando-as a passear num carrinho de metal com quatro enormes rodas de madeira e uma capota adornada com largos folhos cor-de-rosa que condiziam com as flores estampadas na pequena alcofa de cetim. As bonecas eram alvo de tanta atenção e carinho que a nenhuma delas sobrava cabelo.
Albertina prometera levá-las ao Hospital das Bonecas, na Baixa de Lisboa, para que recuperassem as cabeleiras, mas vida social preenchida que levava ainda não lhe permitira descer as Escadinhas da Saudade e apanhar o elétrico para cumprir tal promessa. Entretanto, crochetara duas boinas provisórias para as ir protegendo das intempéries.
As férias eram passadas na casa da família em Algés; dias serenos, de felicidade simples, mas com muitas saudades do seu amor que passava as férias, em família, na casa de família, em Lamego. Já completara quase 5 décadas nesta terra de Deus e tinha tido muitos nomes: filha, irmã, mãe, tia. Queria casar, ser consorte, mas o azar ditava que isso não iria acontecer, pois só entregaria o seu coração ao seu dileto.
Ao ouvir os relatos de seu irmão, Inácio, sobre a tecnologia avançadíssima que lhe tinha sido apresentada em Paris, sonhava com um aparelho que lhe permitisse comunicar, instantaneamente, com Jorge Miguel, sem justificações ou julgamentos. Era avançadíssima para a época…