Armando e Maria Clara eram um casal de velhotes que vivia em Lisboa, na Rua da Escola Asilo.
Estavam casados há mais de 50 anos e adoravam a companhia um do outro, desde o primeiro dia em que os seus olhos se cruzaram no velho Grémio Lisbonense, porto de abrigo de cultura na Baixa pombalina. Com um filho já criado e os três netos encaminhados, todos os domingos, davam um passeio ao longo do rio Tejo, de mão dada, apreciando as belas paisagens e aproveitando o dia como se este fosse o seu único descanso semanal.
Eles gostavam de fazer longas caminhadas e explorar a cidade que era a deles desde sempre, mas que, ainda assim, lhes oferecia muito que descobrir, todos os dias. Ambos tinham um olhar muito atento ao pormenor.
Certo domingo, decidiram dar um passeio na zona do Rossio, em Lisboa. Enquanto caminhavam, depararam-se com uma tradicional loja de chapéus – a Chapelaria Azevedo Rua, especializada em chapéus e bonés e fundada em 1886. O casal decidiu entrar. Armando adorava bonés pois já pouco sobrava da sua outrora farta cabeleira encaracolada. A tal que chamara a atenção de Maria Clara há muitos, muitos anos atrás…
Maria da Fonseca estava atrás do elegante balcão desta loja, famosa por fazer chapéus por medida, há mais anos do que gostava de admitir e recordava-se dos tempos em que um senhor não saía de casa sem chapéu e da época em que a Praça D. Pedro IV era o centro dos chapeleiros e modistas, por decreto real. Calorosamente, dispôs-se a mostrar ao casal – fascinado – a variedade de chapéus, disponíveis na loja, para todas as ocasiões, regionais e tradicionais, desde chapéus de noiva, cloches, cartolas, fedoras, panamás e pork pies. Descontos só para padres, única condição imposta pelo investidor que permitiu a abertura da loja, um tio rico do bisavô do marido de Maria da Fonseca que, por acaso, era padre…
Enquanto admiravam os modelos, Maria mostrou-lhes um chapéu que tinha pertencido ao famoso poeta e escritor português Fernando Pessoa. Ela explicou que este tipo de chapéu ainda era muito popular e custava 60 escudos.
O casal ficou encantado com a visita à Chapelaria Azevedo Rua e saiu com um novo apreço pelo exótico universo chapeleiro e uma boina inglesa, comprada sem desconto, pois nem um, nem outro eram dados a religiões. Continuaram a sua caminhada por Lisboa, apreciando as vistas e sons da cidade numa bela tarde de domingo e com bastante mais aconchego na careca de Armando.