Conto #7
25 de junho e Gregório e Amélia celebravam as Bodas de Rosa. Dezassete anos de uma união que se iniciara, oficiosamente, nos bancos do Liceu Pedro Nunes, ainda os dois se dedicavam ao estudo de rochas sedimentares e dinastias, entre outras matérias inúteis do programa. O partilhado desinteresse pelas mesmas e os nomes alternativos que criavam para os “calhaus” que tinham de decorar, unira-os de forma inesperada e, 30 anos depois, continuavam juntos, numa união harmoniosa e sem adversidades de grande monta.
O parco orçamento nunca abalara a fé no amor com que haviam construído o seu lar. Pessoas simples, sem filhos, viviam um para o outro e almejavam alcançar as Bodas de Ouro, juntos e com saúde. Este não era apenas um desejo, mas sim algo para que trabalhavam diariamente. Contudo, neste dia especial, Gregório estava preocupado e cabisbaixo por não poder presentear a sua amada com um presente à altura do seu afeto por ela.
Às 5 da tarde, despediu-se dos colegas de trabalho e rumou à Baixa da cidade, em busca de inspiração. As montras, decoradas para o Natal, reluziam e ostentavam, vaidosas, os seus maiores predicados: anéis, pulseiras e gargantilhas de pedras preciosas e semipreciosas, vestidos de lã, casacos de tweed e camisolas de cachemira, de cores extravagantes e padrões geométricos, inalcançáveis pela sua acanhada carteira. Taças de cristal, figurinhas e porcelanas coloridas e delicadas, não geravam nele o efeito desejado; antes pelo contrário, aumentavam a sua ansiedade, num ritmo inverso ao de cada um dos seus hesitantes passos. Decidiu acelerar a caminhada para sair, rapidamente, da angustiante Rua Augusta, rumo ao Largo do Rossio.
Encostada à vedação de uma das fontes monumentais, a velhinha vendedora de flores guardava, de braços cruzados, a sua banca plena de cheiro e cores e falava, serenamente, com um cliente, apontando, de quando em vez, para o policromático mostruário que formava a sua venda. Desmotivado e resignado à certeza de não poder perder a cabeça, – e, potencialmente, a casa -, por um presente para a sua mulher, Gregório abeirou-se da banca.
Geralmente, as datas especiais do casal eram celebradas com um passeio à beira-rio e um lanche na “Pastelaria Benard”, no Chiado, ao final da tarde e Amélia, estranha a luxos, não reclamava por mais. Mas, hoje, Gregório queria oferecer-lhe mais. Afinal, celebravam tantos anos de matrimónio quantos Amélia tinha quando os seus lábios se cruzaram pela primeira vez…
Um cliente, já idoso, trocava ideias com a vendedora, gesticulando suavemente e demorando-se na sua escolha. Olhava, pausadamente, para cada flor e, sem pressas, foi construindo o seu buquê.
O senhor tinha um aspeto rude, mas selecionara as flores com tal carinho e critério, que Gregório não resistiu à tentação de inquirir sobre ele à vendedora. A florista explicou-lhe que se tratava de um homem de negócios que, todas as semanas, comprava flores para colocar na campa da sua mulher que jazia no Cemitério dos Prazeres, há mais de uma década. As flores eram escolhidas de entre a oferta sazonal, com preferência para as alaranjadas, a cor preferida da sua mulher.
Com inesperado entusiasmo, – manifestamente inspirado na dedicação deste viúvo -, Gregório decidiu que iria presentear Amélia com um buquê todos os dias 25 de cada mês, por muitos sacrifícios que tivesse de fazer. Deixaria de ler o jornal semanal ou de tomar o café diário, se necessário fosse. Queria celebrá-la e o seu amor em vida.
Para começar a nova tradição, pediu à florista um buquê com 17 rosas cor-de-laranja e prometeu voltar daí a, exatamente, um mês.